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20 de Abril de 2024

STJ - Júri - Excesso de Linguagem na Pronuncia - Nulidade

há 2 anos

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PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ACUSADO PRONUNCIADO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. IMPROVIMENTO. CONSIDERAÇÕES INCISIVAS DO TRIBUNAL A RESPEITO DO CRIME E DE SUA AUTORIA. EXCESSO DE LINGUAGEM CAPAZ DE INFLUENCIAR O CONSELHO DE SENTENÇA. EXISTÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, a sentença de pronúncia deve se limitar a um Juízo de suspeita a respeito da acusação existente, evitando-se qualquer indicativo de certeza, considerações incisivas ou valorações sobre as teses da acusação ou da defesa que possam influenciar o ânimo do Conselho de Sentença. O mesmo entendimento deve ser aplicado ao acórdão que mantém a decisão de pronúncia. 2. Caso em que o Tribunal de origem emitiu juízo de certeza a respeito da acusação, ao afirmar que "há inúmeras testemunhas", "as provas dos autos revelam", "diante do excesso da violência praticada", "lesões incompatíveis com o atuar com ânimo de lesionar", expressões que, considerando o contexto em que foram empregadas, são capazes de influenciar o conselho de sentença. 3. Ordem concedida para anular o acórdão proferido no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0031384-47.1998.8.19.0001, devendo outro ser proferido, nos termos do art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal.

(STJ - HC: 576289 RJ 2020/0096329-1, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 02/06/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2020)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de Mario Cesar Silva Santos – pronunciado como incurso no crime de homicídio qualificado ( Ação Penal n. 0031384-47.1998.8.19.0001) –, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela defesa contra a decisão que pronunciou o paciente ( Recurso em Sentido Estrito n. 0031384-47.1998.8.19.0001).

Alega a impetrante, em síntese, nulidade do acórdão em questão, por excesso de linguagem, pois nenhuma cautela foi adotada, possuindo o v. acórdão verdadeira natureza de sentença penal condenatória, tamanha a certeza das afirmativas realizadas e a profunda análise probatória, que afastam por completo qualquer tese defensiva e possibilidade de defesa do Paciente, sendo emitido juízo de valor sobre a prova, adentrando, indevidamente, na análise do mérito da causa, afastando a tese defensiva (fl. 7).

Postula, então, a suspensão da ação penal até o julgamento do mérito do presente writ. No mérito, requer o reconhecimento da nulidade do acórdão.

Em 28⁄4⁄2020, indeferi o pedido liminar (fls. 45⁄46).

Dispensadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da impetração (fls. 50⁄53):

PENAL E PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DESPROVIDO. HABEAS CORPUS . INVIABILIDADE DE MANEJO DO WRIT COMO SUCEDÂNEO RECURSAL OU REVISIONAL. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO . IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRECEDENTE. MANIFESTAÇÃO PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS .

É o relatório.


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): Busca a impetração o reconhecimento de nulidade decorrente de excesso de linguagem no acórdão confirmatório da decisão de pronúncia, ao argumento de que a Corte de origem extrapolou nas considerações a respeito da acusação que pesa contra o paciente, a ponto de influenciar o Conselho de Sentença.

Confira-se, no que interessa, a íntegra do voto condutor do acórdão em questão (fls. 16⁄20):

[...]

Inicialmente, rejeita-se a preliminar de nulidade da decisão de pronúncia, sob a alegação da inconstitucionalidade do princípio do in dubio pro societate , vez que o mencionado princípio não ofende a presunção de inocência, sendo certo que a decisão de pronúncia constitui mero juízo de admissibilidade da denúncia para que o acusado seja submetido ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não constituindo a pronúncia, de nenhuma forma, juízo definitivo da responsabilidade criminal do réu.

No mérito, a decisão recorrida deve ser mantida, porque de acordo com as circunstâncias dos autos.

Narra a denúncia que, no dia 07 de março de 1995, por volta das 18h30min, no interior do prédio localizado na Estrada da Barra, n.º 750, quarto 101, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro⁄RJ, o recorrente, com vontade livre e consciente de matar, desferiu vários golpes com arma branca contra a moradora do quarto 101, conhecida como "Márcia", causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame cadavérico de fls. 24⁄26, as quais foram a causa eficiente de sua morte.

O crime foi cometido por motivo fútil, vez que o recorrente se encontrava impelido pelo desejo de residir no quarto 101 do imóvel, que estava sendo ocupado pela vítima.

Dessa forma, ao revés do sustentado pela defesa, a pretensão à impronúncia é totalmente absurda e infundada, vez que há inúmeras testemunhas, além de ter o acusado confessado ao delegado do caso ter desferido os golpes de faca contra a vítima, apesar de ter negado os fatos posteriormente. No mais, a decisão recorrida está devidamente justificada.

Deve ser consignado que para a pronúncia bastam indícios da autoria e do crime, conforme determina o art. 413 do Código de Processo Penal, não podendo o juiz adentrar ao mérito da causa, como pretende a defesa.

Dito isto, certo é que se encontram presentes os requisitos necessários ao pronunciamento, quais sejam, a existência do crime, conforme a materialidade que exsurge do registro de ocorrência adita-do de fls. 03⁄04v e 10 e laudo de exame cadavérico de fls. 24 e 26.

Há, ainda, indícios suficientes da autoria diante do detalhado depoimento da testemunha Maria Lucia que narrou, em Juízo, que sua irmã trouxe o ora recorrente para viver com ela na sua casa. Contou que ele ficou em sua casa por dois anos. Disse que, após determinado período, o recorrente exigiu que ela saísse da casa, ameaçando-a de morte caso não atendesse à exigência. Aduziu que pediu que ele esperasse porque possuía dois filhos e não tinha para onde ir. Contou que a vítima tinha um filho, Felipe, de sete anos de idade. Afirmou que o réu estava com Milton Ribas, uma pessoa tida como perigosa na cidade do Nordeste de onde ele veio. Disse que, no dia dos fatos, estava em sua banca de verduras, quando chegou o Lindomar, que na época era criança, dizendo para ela correr até sua casa porque a Márcia havia sido esfaqueada pelo Mário. Contou que, ao chegar ao local, o réu e Milton Ribas já haviam se evadido do local e que o assassinato foi cometido de forma cruel. Disse que ela era o alvo e não a vítima. No dia dos fatos, a vítima havia discutido com o réu. Contou que todos os vizinhos viram e sabiam que o ora recorrido foi quem cometeu o crime. Falou, ainda, que, quando foi atrás do réu com os policiais militares, ele já havia se evadido para Vila Velha⁄ES. Afirmou que Mario é uma pessoa fria e cruel e que foi ofendida várias vezes por ele. Contou que continuou morando no quarto, pois não tinha para onde ir. Narrou que, após todo o ocorrido e o enterro de sua amiga, certo dia, ainda em 1995, voltando para casa, o réu apareceu com uma faca na mão e a feriu gravemente, nos braços e nas pernas. Disse que ficou vários dias internada e possui até hoje cicatrizes dos ferimentos sofridos, além de ter desenvolvido síndrome do pânico depois dos fatos. Aduziu que não fez registro de ocorrência na Delegacia de Polícia, pois sua irmã a aconselhou a não o fazer. Disse, ainda, que não viu os fatos, mas que vários vizinhos viram o homicídio da vítima. Contou que a vítima não morava lá, foi ao local pegar alimentos que a depoente costumava doar a ela. Por fim, afirma que continuou sendo cobrada para sair do quarto onde morava por intermédio de Milton Ribas.

Com efeito, para a submissão do acusado por homicídio ao Tribunal do Júri é exigido, tão somente, convincentes indícios de autoria e a prova de materialidade do delito, cabendo, posteriormente, ao Conselho de Sentença, decidir, em definitivo, pela condenação ou absolvição do réu. Nessa fase, prevalece o princípio in dubio pro societate , de modo que há que se manter a decisão de pronúncia.

No que tange à pretensão à desclassificação da conduta para a de lesão corporal seguida de morte, esta igualmente não merece prosperar. As provas colacionadas aos autos revelam que o recorrente agiu com o dolo de matar, diante do excesso da violência praticada, agressões perfuro cortantes direcionadas ao tórax, inclusive com lesão no pulmão, lesões estas incompatíveis com o atuar com ânimo de lesionar.

No que se refere ao afastamento da qualificadora na fase da pronúncia, este somente se justificaria se manifestamente improcedente, pois, havendo indícios de sua presença, ainda que duvidosa, sua manutenção é impositiva em obediência ao princípio do in dubio pro societate . No presente caso, nota-se que há referências cognitivas ao motivo fútil, circunstância que, em tese, alicerçam sua manutenção.

A sentença de pronúncia, como mero juízo de probabilidade, não pode afastar a circunstância qualificadora proposta na denúncia, salvo se manifestamente improcedente, o que não é o caso. Por força do texto constitucional, é o Tribunal do Júri o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, cabendo a ele dizer da ocorrência ou não de tais circunstâncias.

O parecer do Ilustre Procurador de Justiça, Dr. Alexandre Araripe Marinho,é no sentido da manutenção da decisão recorrida, o que deve ser acolhido, ante os fundamentos acima expostos. Por tais motivos, rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso estrito.

[...]

Da análise dos trechos transcritos, em especial dos grifados, observa-se que o Tribunal de origem, ao negar provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela defesa, fez colocações incisivas a respeito do crime e de sua autoria, passíveis de influenciar o Conselho de Sentença.

Nos termos da jurisprudência desta Corte, configura constrangimento ilegal, por excesso de linguagem, a consideração feita pelo julgador de forma a demonstrar certeza a respeito da autoria por parte do acusado, passível de influenciar os jurados durante o julgamento pelo Tribunal do Júri.

A propósito:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. CONCLUSÃO PEREMPTÓRIA ACERCA DA INTENÇÃO DO AGENTE. MATÉRIA FÁTICA CONTROVERTIDA. REFUTAÇÃO DIRETA DA TESE DA DEFESA. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O art. 413, § 1.º, do Código de Processo Penal determina que a decisão ou o acórdão de pronúncia devem limitar-se à indicação da materialidade do fato e à verificação dos indícios suficientes de autoria ou de participação. Portanto, é vedado ao Juízo processante ou ao Tribunal a quo apresentar conclusões peremptórias acerca da dinâmica dos fatos nesta fase processual, sob pena de usurpação da competência do Tribunal do Júri.

2. Ao declarar de maneira resoluta que o Agente "visava atingir órgão vital do corpo do ofendido", a Corte estadual assentou verdadeira conclusão fática final acerca da intencionalidade do Acusado em sua conduta, emitindo juízo de mérito em matéria cuja cognição está reservada à análise soberana do Tribunal do Júri.

3. A assertiva contida no acórdão recorrido assume ainda maior relevância porque refuta de forma direta e conclusiva a versão defensiva sustentada pelo Recorrente, o qual afirmou em juízo que não pretendia atingir órgão vital da vítima, mas apenas golpear a sua mão, tratando-se, portanto, de um aspecto fático controvertido.

4. O acórdão recorrido encontra-se maculado por nulidade insanável, decorrente do excesso de linguagem, sendo necessária a anulação do referido ato judicial, a fim de que um novo acórdão seja proferido. Precedentes.

5. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido e determinar que outro seja proferido, com linguagem sóbria e comedida, nos termos do art. 413, § 1.º, do Código de Processo Penal.

( REsp 1.710.209⁄SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 3⁄4⁄2019 - grifo nosso)

Em face do exposto, concedo a ordem impetrada para anular o acórdão proferido no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0031384-47.1998.8.19.0001, devendo outro ser proferido, nos termos do art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

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