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26 de Abril de 2024

STJ Ago22 - Quebra de Sigilo - Decisão sem fundamento, padronizado, genérica e fishing expedition

há 2 anos

(STJ - RHC: 157324 MG 2021/0372765-9, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 01/08/2022)

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Decisão Monocrática

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 157324 - MG (2021/0372765-9)

RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

RECORRENTE : R Z DE O

ADVOGADO : PAULO SERGIO DE ALBUQUERQUE COELHO FILHO - SP373813

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

CORRÉU : R D DE F M

CORRÉU : F D DE F M

CORRÉU : C M P B

CORRÉU : C A DA S B

CORRÉU : A R J

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus com pedido de liminar interposto por R. Z. de O. contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS no HC n. 1.0000.21.111550-6/000, assim ementado (fl. 1.089):

HABEAS CORPUS - FORMAÇÃO DE CARTEL, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL - INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA -DISPONIBILIZAÇÃO PELA ACUSAÇÃO APÓS A APRESENTAÇÃO DA RESPOSTA ESCRITA - ADITAMENTO À RESPOSTA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DA PARIDADE DE ARMAS - CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO PARCIALMENTE - ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. - Se o acesso à integralidade das interceptações telefônicas se dá após a resposta escrita, do art. 396-A, do Código de Processo Penal, a abertura do prazo para aditamento à resposta deve ser franqueado à defesa, sob pena violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório e da paridade de armas.

Consta dos autos que o recorrente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de cartel, lavagem de dinheiro e organização criminosa na venda de combustíveis em Uberaba (MG), investigados na Operação Conexus.

Nas razões recursais, embora concedida parcialmente a ordem pelo TJMG, o recorrente insiste em que "jamais teve acesso à integralidade das interceptações telefônicas, pois foram disponibilizados à Defesa técnica apenas arquivos sem elementos informativos essenciais (data, horário, número do alvo e número do interlocutor)" (fl. 1.129).

Requer o provimento do recurso para ser concedida a ordem de habeas corpus a fim de que tenha "acesso aos arquivos das interceptações telefônicas tal como disponibilizados pelas operadoras de telefonia, com todos os elementos informativos de que detém o Ministério Público (data, horário, telefone do alvo e telefone do interlocutor)" (fl. 1.135).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso em habeas

corpus.

É o relatório. Decido.

O presente recurso está prejudicado.

Como relatado, este recurso tem por objeto o pretendido "acesso aos arquivos das

interceptações telefônicas tal como disponibilizados pelas operadoras de telefonia". No entanto, no RHC

n. 147.755, interposto pelo recorrente, reconheci a ilicitude das medidas de interceptações telefônicas e

sucessivas prorrogações. Na ocasião, ponderei o seguinte:

[...] Nos termos do inciso XII do art. º da Constituição Federal l, o sigilo das comunicações telefônicas é inviolável, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal.

Ao regulamentar a matéria, a Lei n. 9.296/1996 estabelece que a interceptação telefônica pode ser decretada para fins de investigação criminal ou de instrução processual, por ordem fundamentada do juízo competente, se estiverem presentes indícios razoáveis de autoria ou de participação do investigado em ilícito penal punível com pena de detenção, desde que não seja possível obter as provas por outros meios.

A lei de regência estipula ainda o prazo de 15 dias de vigência da medida de interceptação, podendo ser prorrogada por igual prazo, se comprovada sua indispensabilidade.

Na espécie, sustenta o recorrente a nulidade das decisões de prorrogação da interceptação telefônica, tendo em vista a deficiência de fundamentação.

Constam da primeira decisão que autorizou a interceptação telefônica os fundamentos seguintes (fls. 380-381):

[...] Conforme se depreende, os autos versam sobre investigação criminal para apurar o delito contra a ordem econômica tipificado no artigo º, IIa e b, da Lei 8.137 7 7 7/1990, conhecido como formação de cartel.

A representação Ministerial está amparada em relatórios do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e ainda cita matérias jornalísticas dando conta de sinais da cartelização dos Postos de Combustíveis na Comarca, maximizando os lucros dos empresários do ramo, eliminando, concorrentes indesejáveis"e consequentemente causando prejuízo ao consumidor final.

Ocorre que, a prova de tal prática abusiva vai além da semelhança de preços entre postos de gasolina.

É preciso que fique demonstrado o acordo entre os revendedores de combustíveis para a comprovação da prática abusiva, ou seja, a combinação de preços de revenda de combustível ou até mesmo uma represália aos postos que se recusarem a praticar o ilícito.

Portanto, as medidas pleiteadas são essenciais para as investigações, uma vez que poderão identificar eventual articulação entre os postos de combustíveis para praticarem preços iguais ou com diferença mínima.

Ressalto ainda que o interesse público concernente à efetiva apuração dos fatos sobrepõe-se ao direito individual relativo ao sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas.

Assim, as medidas requeridas são necessárias para obtenção dos elementos viabilizem a apuração de fatos tidos como delituosos e se mostrem adequadas para o sucesso da investigação. Face aos motivos relatados na Representação Ministerial do GAECO, e considerando a necessidade das medidas para a apuração dos fatos, defiro as medidas pleiteadas.

Em 12/12/2019, houve a primeira prorrogação, cuja fundamentação é idêntica à decisão primeva. Após, seguiram-se sucessivas prorrogações da quebra de sigilo telefônico e telemático, em 10/3/2020, em 8/5/2020 e em 26/5/2020.

O Tribunal a quo manteve as decisões impugnadas, nos termos da seguinte ementa (fl. 505):

HABEAS CORPUS - INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - PRORROGAÇÕES -FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO -ORDEM DENEGADA. - A decisão de quebra de sigilo telefônico não exige fundamentação exaustiva, podendo ser ela concisa e sucinta, desde que demonstre a existência dos requisitos autorizadores da interceptação telefônica, como ocorreu na espécie. É desnecessário que cada sucessiva autorização judicial de interceptação telefônica apresente inéditos fundamentos motivadores da continuidade das investigações, bastando que estejam mantidos os pressupostos que autorizaram a decretação da interceptação originária.

Em exame da decisão que autorizou a primeira interceptação telefônica e das sucessivas prorrogações, constata-se manifesto vício de fundamentação.

De fato, a primeira decisão que autorizou a interceptação telefônica não observou os pressupostos do art. da Lei n. 9.296/1996, pois não indicou a presença de indícios razoáveis da prática delitiva e de autoria ou de participação do recorrente.

A decisão impugnada deixou de correlacionar os alvos das interceptações com o objeto da investigação, mencionando apenas que seria possível"identificar eventual articulação entre os postos de combustíveis para praticarem preços iguais ou com diferença mínima". Não há indicação mínima dos indícios de autoria eventualmente colhidos previamente contra o recorrente e demais investigados que justificaram o pedido de aprofundamento das investigações por meio da medida restritiva em questão.

Registre-se que, na forma dos arts. , I, e da Lei n. 9.296/1996, a demonstração dos requisitos legais de justa causa e de imprescindibilidade da prova é indispensável não apenas para a decisão primeva, que defere a interceptação telefônica, mas também para as sucessivas prorrogações.

No caso, o Juízo de origem - seja na decisão primeva, seja nas sucessivas prorrogações -, utilizou-se de fundamentação padronizada e genérica. Todas as prorrogações apresentam motivação idêntica, sem confrontação dos relatórios juntados pela autoridade policial ao final de cada período, com o objeto da investigação, que justificaram o prosseguimento da medida restritiva em relação aos investigados. Assim, é manifesta a contrariedade ao disposto no art. da Lei n. 9.296/1996.

Em recente decisão no RE n. 625.263/PR, submetido à sistemática de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese:

Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661:"São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto". ( RE n. 625.263/PR, redator para o acórdão Ministro Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 6/6/2022.)

A propósito, eis o que ponderou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto:

[...] Contudo, as decisões que autorizaram as prorrogações não cotejaram o material interceptado com as hipóteses investigativas trabalhadas nem demonstram que resultados relevantes ainda podiam ser aportados.

Sem analisar elementos concretos, as motivações nestes autos foram padronizadas, basicamente reproduções de modelos genéricos, que não podem ser consideradas como legítimas a embasar a restrição de direito fundamental por sucessivas renovações, a totalizar mais de dois anos de interceptações.

Assim, a falha da fundamentação da prorrogação não foi algo eventual, mas uma deficiência que permeou todo o período, especialmente o primeiro ano de interceptações. Nesse contexto, tenho que as interceptações são nulas, por deficiência de fundamentação.

Ainda que se admita a adoção de determinado modelo de decisão judicial, por óbvio, deverá o juízo ajustá-lo ao caso concreto.

A decisão de prorrogação não precisa ser exaustiva, admitindo-se que seja sucinta, porém deverá apresentar fundamentação específica e concreta, justificando a necessidade do prosseguimento da medida com base nas informações colhidas durante a etapa de interceptação anterior.

Nessa direção, aliás, a jurisprudência do STJ:

RECURSO EM HABEAS CORPUS . CORRUPÇÃO PASSIVA E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA LIGADOS AOS ACUSADOS. IMPRESCINDIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA. PRORROGAÇÕES. REFERÊNCIA AO DECRETO ANTERIOR. ILEGALIDADE. 1. Não tendo sido indicados os indícios de autoria ligados aos acusados, nem qualquer individualização de suas condutas, além de não haver a demonstração da imprescindibilidade da medida, nos termos previstos nos arts. e da Lei 9.296/96, verifica-se a ausência de fundamentação da decisão que autorizou a interceptação telefônica, bem como das decisões que autorizaram a sua prorrogação com mera referência à decisão inaugural. 2. A lei assevera que não será admitida a interceptação quando"não houver indícios razoáveis da autoria ou participação, em infração penal."(Lei 9.296/96 - art. , I). Inafastável a conclusão de que as prorrogações e a própria decisão inicial de quebra do sigilo telefônico carecem de fundamentação válida e, portanto, inservível para suprir o requisito constitucional e legal da fundamentação, exigida pelo art. da Lei 9.296/96, o que atrai a mácula de ilicitude: 3. Recurso em Habeas corpus provido para reconhecer a ilegalidade da interceptação telefônica, determinando o desentranhamento das provas obtidas por meio desta medida constritiva, nos autos n. 0001828-57.2010.8.26.0268/SP. ( RHC n. 147.669/SP, Ministro Olindo Menezes, Sexta Turma, DJe de 4/10/2021, destaquei.)

RECURSO EM HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO INICIAL DE QUEBRA E PRORROGAÇÕES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA EXCEPCIONAL. ILEGALIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. 1. É exigida não só para a decisão que defere a interceptação telefônica, como também para as sucessivas prorrogações, a concreta indicação dos requisitos legais de justa causa e imprescindibilidade da prova, que por outros meios não pudesse ser feita. 2. Diante da ausência de fundamentação suficiente e válida, resta considerar eivadas de ilicitude a decisão inicial de quebra do sigilo, bem como as sucessivas decisões que deferiram as prorrogações da medida de interceptação telefônica. 3. A prorrogação da quebra de sigilo pode ser concedida tantas vezes quantas necessárias, mas nunca automaticamente, dependendo sempre de decisão judicial fundamentada, com específica indicação da indispensabilidade da continuidade da medida constritiva . 4. Recurso em habeas corpus provido para declarar nula a decisão inicial de quebra do sigilo da comunicação telefônica, assim como as consequentes prorrogações, bem assim, das provas consequentes, a serem aferidas pelo Juízo na origem, devendo o material respectivo ser extraído dos autos. ( RHC n. 124.057/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 18/5/2020, destaquei.)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso em habeas corpus para reconhecer a ilicitude da decisão inicial de interceptação telefônica e telemática, bem como das sucessivas prorrogações, reconhecendo a nulidade das provas oriundas dessas medidas e determinando seu desentranhamento dos autos. [...]

Portanto, considerando que, na decisão prolatada no RHC n. 147.755, foi reconhecida a

nulidade de todas as decisões que decretaram a quebra do sigilo telefônico e telemático dos investigados

na Operação Conexus , cujas provas deverão ser desentranhadas dos autos, houve perda superveniente de

objeto deste recurso.

Ante o exposto, julgo prejudicado o recurso em habeas corpus.

Cientifique-se o Ministério Público Federal.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 15 de julho de 2022.

Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

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